sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Num tempo em que a escola ou a escolarização se tornou provavelmente, ainda que com bons princípios, o principal instrumento ideológico das democracias, convém recorrer aos poetas e não aos teóricos, para pensar um pouco nas suas finalidades e objectivos. É que ao contrário do que nos é dito, a escola não é, como nunca foi, um lugar de promoção da igualdade. O papel da escola é promover a diferença e a divergência, ajudar a criar indivíduos livres e críticos e não sujeitos obedientes a uma dada ideia de sociedade e de cultura. mas nem os detentores do poder, nem os seus críticos desejam que a escola realize estes pressupostos.
A escola deveria servir os indivíduos, mas para tanto nunca, a sua frequência poderia ser obrigatória, nunca os seus conteúdos poderiam ser limitados às ideologias dominantes, nunca a obediência se poderia sobrepor à liberdade, nunca a individualidade de cada um poderia ser obrigada a seguir as normas e as regras feitas para o uso de todos...
Ouçamos os poetas, neste caso, Natália Correia e pensemos a escola através do seu poema intitulado Queixa das almas jovens censuradas:

"Dã-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crãnios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
que espeta o cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte"

Natália Correia


sábado, 1 de dezembro de 2012

Para pensar a partir de coisas simples

 José Tolentino Mendonça escreveu um livro que intutulou Nenhum caminho será longo onde reflete sobre as vantagens da amizade em relação ao suposto amor. Nele e com ele pode pensar-se melhor o valor da verdadeira amizade, incondicional e desprendida de qualquer preconceito, única via de acesso ao outro e ao dom da partilha. Numa época em que o conceito de amor ligado quase sempre ao erotismo e à sensualidade fez obscurecer a amizade, este autor visitando a tradição e a cultura realça que só depende de nós mudar o quotidiano, mas para tal teremos que perceber que é mais importante partilhar do que acumular, estar presente do que estar ausente, porque afinal aquilo que nos é essencial é o que permanece para além da satisfação imediata de um desejo qualquer e o que permanece é o que sempre lá esteve, isto é, o outro como uma extensão de mim e não apenas como fonte do meu desejo e satisfação do meu prazer. Como se diz algures "Nenhum caminho é longo de mais quando um amigo nos acompanha".