Sobre a pedagogia portuguesa em tempos idos Guerra Junqueiro (1850-1923), poeta e pensador da "alma portuguesa" deixou-nos, em forma poética, um quadro que não sendo apenas uma imagem do que se passava em Portugal já na segunda metade do século XIX, é sobretudo um recorte do que os portugueses entendiam da missão da escola: sítio de instruir mais do que de educar; sítio de destruir mais do que de formar; sítio de conservar mais do que de transformar; sítio de penar mais do que brincar... quase sempre é vista a sua frequência como um "período negro" na vida de cada um. Eis então as palavras do poeta:
A Escola Portuguesa
“Eis as crianças
vermelhas
Na sua hedionda
prisão:
Doirado enxame de
abelhas!
O mestre-escola
é o zangão.
Em duros bancos
de pinho
Senta-se a turba
sonora
Dos corpos
feitos de arminho,
Das almas feitas
d’aurora.
Soletram versos
e prosas
Horríveis;
contudo, ao lê-las,
Daquelas bocas
de rosas
Saem murmúrios
de estrelas.
Contemplam de
quando em quando,
E com inveja,
Senhor!
As andorinhas
passando
Do azul no livre
esplendor.
Oh, que
existência doirada
Lá cima, no
azul, na glória,
Sem cartilhas,
sem tabuada,
Sem mestre e sem
palmatória!
E como os dias
são longos
Nestas prisões
sepulcrais!
Abrem a boca os
ditongos,
E as cifras
tristes dão ais!
Desgraçadas
toutinegras,
Que
insuportáveis martírios!
João Félix co’as
unhas negras,
Mostrando as
vogais aos lírios!
Como querem que
despontem
Os frutos na
escola aldeã,
Se o nome do
mestre é – Ontem
E o do discipulo
– Amanhã!
Como é que há-de
na campina
Surgir o trigal
maduro,
Se é o passado
quem ensina
O b a ba ao futuro!
Entregar a um
tarimbeiro
Um coração
infantil!
Fazer o calvo
Janeiro
Preceptor do
loiro Abril!
Barbaridade irrisória,
Estúpido
despotismo!
Meter uma
palmatória
Nas mãos d’um
anacronismo!
A palmatória, o
açoite,
A estupidez
decretada!
A lei incumbindo
a Noite
Da educação da
Alvorada!
Gravai na vossa
lembrança
E meditai com
horror,
Que o homem sai
da criança
Como o fruto sai
da flor.
Da pequenina
semente,
Que a escola
régia destrói,
Pode fazer-se
igualmente
Ou o assassino
ou o herói.
Desta escola a
uma prisão
Vai um caminho
agoireiro:
A escola produz
o grão
De que a enxovia
é o celeiro.
Deixai ver o Sol
doirado
À infância, eis
o que eu vos peço.
Esta escola é um
atentado,
Um roubo feito
ao progresso.
Vamos, arrancai
a infância
Da lama deste
paul;
Rasgai no muro
ignorância
Trezentas portas
de azul!
O professor
asinino,
Segundo entre
nós ele é,
Dum anjo extrai
um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.
Empunhando as
rijas férulas
Vós esmagais e
partis
As crianças –
essas pérolas
Na escola – esse
almofariz.
Isto escolas!... que indecência!
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d’anjos, mais nada.”
Guerra Junqueiro