segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Da educação

 A. David-Néel (1868-1969) escreveu: "O homem não depende de donos e senhores, nem de juízes, nem duma pretensa consciência; depende apenas do saber. Instruir os ignorantes, facultar a todos o pleno desenvolvimento de todos as suas faculdades, é fazer obra de vida.
A ciência, a livre busca faz homens vivos e capazes, a obediência cria mortos".
 
E assim tende a ser, embora, paradoxalmente, para a quase totalidade dos indivíduos, nada disto se passe. O Indivíduo não se instrui porque dá trabalho, não define o seu caminho, porque é preguiçoso. Contudo reivindica a escolaridade obrigatória que lhe é imposta pelo Estado e espera que o mesmo Estado lhe garanta um emprego para o resto da vida.  

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Da Crença




Edgar Morin escreveu: "Todo o crente tem uma parte de si que duvida; todo o não-crente tem uma parte de si que crê: separa-os uma diferença infinita, mas também uma diferença íntima, se emergirem à consciência do diálogo entre fé e dúvida, que se agita em cada um".
 
E assim é: os que dizem ser crentes e aqueles que afirmam ser ateus, apenas estão a afirmar, de igual modo, a força da sua crença, mesmo que o processo de raciocínio seja oposto.

sábado, 30 de novembro de 2013

Portugal hoje ou a extensão do Portugal de ontem


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Por agora

 Uma imagem. O indefinido e a vontade de voltar a ser o que já foi.
o tempo que encoberto se deixa antever e um belo poema de Tolentino Mendonça
 
Fragmento do Livro da Sabedoria
 
"A tua seta atirada ao alvo
fende o céu
e este logo se une
 
Poeira levada pelo vento
espuma dispersa pela tempestade
lembrança do viajante
que se demora apenas um dia
 
Tudo é sombra que passa"
 
in J. Tolentino Mendonça, A noite abre meus olhos 
 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre os tempos, tempos vêm

 Voltemos aos antigos - e eruditos - para pensar sobre a situação actual.
Dizia ou aconselhava o grande obreiro da língua portuguesa, o padre jesuíta António Vieira:
"Se servistes a pátria, e ela vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, e ela o que costuma".
É assim a gente de boa vontade - que felizmente é muita - no Portugal de hoje. Um dia a história porá no esquecimento as figuras mediáticas e elevará ao lugar devido aqueles que de forma obscura e marginalizada, não desistem da sua Pátria. Vieira é um exemplo, quer de vida, quer de obra.

domingo, 29 de setembro de 2013

Um dia para os portugueses reflectirem (mais do que para votarem)

Sejam quais forem os resultados eleitorais de hoje é o país que perde. Não por haver eleições, mas sim por haver estas eleições. São as eleições da grande família republicana, isto é a manutenção de uma clientela e a substituição de outra tanta. Para lá disso está um povo de pedintes, sujeito ao protetorado da Troika para não cair na miséria total fruto do governo destes senhores e dos seus amigos que hoje terão, novamente, o seu prémio. Da esquerda à direita.
Como é possível num país "depenado" continuar a haver trezentos e muitos municípios - quando 30 seria o número suficiente - e milhares de freguesias, onde nem há povo, nem maneira de o arranjar. Nalguns locais arriscamo-nos a ter mais eleitos que eleitores.
Todos gritam contra a Troika, mas todos os partidos querem mais freguesias e municípios. Parece que a maléfica Troika percebeu o esquema e pediu para que se pensasse numa organização administrativa para o século XIX, mas os partidos, os que são a favor e os contra, fizeram ouvidos de mercador e preferem manter a estrutura administrativa do Marquês de Pombal. Um grande exército de incompetentes pagos com o orçamento do Estado. Os republicanos e os socialistas retalharam o país e criaram à custa do dinheiro de todos os feudos para os amigos. Em torno do Porto há quase uma dúzia de municípios que para nada servem. veja-se o caso gritante da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, de Matosinhos e da Maia, de Gondomar e Valongo... veja-se o nordeste transmontano com dezenas de municípios, quando dois chegavam e sobravam. Veja-se o comunista Alentejo onde provavelmente há mais eleitos que eleitores. 
E o povo vota e não diz nada pois quer o fontenário, o rendimento mínimo, a isenção de qualquer coisa... e que os outros, os que produzem riqueza e dão emprego, paguem, aos governantes que se hão-de reformar passados poucos anos e as melhorias exigidas pelo voto que lhes dá as regalias. É esta a nossa República que recheia o perú para repartir pelos políticos de todas as cores, enquanto coberto pela toalha do orçamento fica o que resta de tantos desgovernos. Dívida e mais dívida que alguém há-de pagar... mas mais que tudo um futuro sem perspetiva para os mais novos 
Talvez em democracia todos os descontentes devessem votar útil e em massa - todos os votos em branco - para ver se a coisa muda. O regime está a implodir e tal qual o ajustamento, ou se trata do assunto a tempo ou então não restará nada para repartir. 
 
 
O meu patriotismo, contudo, perante o penoso cenário das eleições municipais, fica agradecido a mais dois portugueses que hoje se destacaram pelos seus feitos desportivos: Rui Costa que se sagrou campeão do mundo de atletismo e João Sousa, primeiro português a ganhar um torneio do ATP World Tour. Deixo os exemplos populares do desporto que agradam a todos, mas podia falar das medalhas conquistadas pelos nossos jovens há dias nos mundiais de matemática e a tantos outros exemplos valorosos e com capacidades bem diferentes dos incompetentes a quem democraticamente entregamos o nosso governo. 
Portugal não está morto, apenas asfixiado pelo exército dos políticos que o impedem de respirar. Um dia o valor do nosso povo voltará à tona e a nossa Nação pobre e sujeita voltará a erguer-se. Mas não com esta gente, mas não desta maneira.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Das épocas e dos indivíduos

 A propósito de cada época Bellow faz dizer a uma sua personagem: "Temos de tirar da cabeça a ideia de que estamos numa época condenada, de que estamos à espera do fim, e coisas que tais, perfeitos disparates de revistas da moda. A situação é já suficientemente sombria sem estas brincadeiras lúgubres".
Esta é a mais pura realidade: nos tempos de prosperidade não imaginamos o cenário oposto - tal como enquanto temos saúde não nos preocupamos com a doença, quando temos dinheiro, não pensamos na pobreza e assim sucessivamente... As épocas são todas "condenadas" porque a vida de cada um também o é. Cada época exige os seus sacrifícios numa espécie de imitação do desenvolvimento de cada indivíduo desde o nascimento até à inexorabilidade da morte. 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Do poder no tempo

 Saul Bellow no seu Herzog faz dizer a uma personagem: "Em todas as comunidades há uma espécie de pessoas profundamente perigosas para as restantes. Não me refiro aos criminosos. Para esses temos sanções. Refiro-me aos dirigentes. Invariavelmente os mais perigosos procuram o poder. Enquanto, ardendo de indignação, os cidadãos conscienciosos se consomem".
Pelo desenho e pelo texto, os seus autores deixam-nos uma imagem perfeita de como agem os políticos que apenas procuram o poder para dominar e não para servir, impondo-se pela força aos seus iguais que, paradoxalmente, em todos os tipos de organização social, são os que legitimam os seus actos.
Após o rochedo tornar a rebolar no declive da montanha, outros o irão obrigar a erguer. Todos eles impunes às consequências da queda que os seus actos insensatos foram provocando.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Do silêncio



 É no silêncio que me acolho e onde me demoro, porque só aí encontro o que é essencial que (a)parece sempre a uma visão turbada como que (re)vestida do quase visto que se oculta e esconde.

Como escreve Tolentino de Mendonça no poema designado Final
"O silêncio é a partilha
do furtivo
lume."

sexta-feira, 31 de maio de 2013



Tolstói (1828-1910) sobre a arte, entre tantas outras coisas escreveu: "A arte é um dos dois órgãos de progresso da Humanidade. Pelas palavras, o homem comunica o pensamento, pela arte comunica o sentimento a todas as pessoas não só do presente, mas também do passado e do futuro". Seja a arte, aquilo que for. Manifeste-se, como se manifestar: pela música, pelo canto, pela pintura, pela escultura, pela literatura, pela poesia...
É a criação que a arte expressa que dá sentido à nossa existência pela ligação a um passado que não conhecemos e a um futuro que desejamos.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Da verdade e da poesia

 É com simplicidade que João afirma que a Verdade habita em cada um de nós, mesmo que oculta. E porque assim parece ser, é a poesia que nos coloca mais perto dela.
Eis um desses exemplos num belo poema de António Franco Alexandre:

"Verdade, somos iguais
temos quase a mesma idade
o sangue a esmo que escorre
a vertente dos sinais

rasgamos sombra na chuva
o corpo aberto ao jamais
luva em luva nos abrimos
cada qual com sua chave

demasia nos visita
no som pálido das horas
o erro nu nos demora

cada um por si imita
o som branco dos demais
verdade, somos iguais"

António Franco Alexandre, A pequena face (1983).

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Na Mão de Deus também descansam agnósticos e ateus

 Antero de Quental (1842-1891) crítico do sentimento religioso, não pôde, como grande poeta de inspiração mística que realmente foi, deixar de procurar a tranquilidade que parece nunca ter conseguido,  no regaço daquele que tanto gostava de negar.
Tantas foram as palavras inflamadas, tantos os discursos racionais para, no final, em catorze simples versos, poder agasalhar a alma com a tranquilidade que buscava.
Aqui fica o seu belo poema:

Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração,
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorãncia infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mão leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

                                Antero de Quental

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O Desterrado Enquanto Símbolo da Portugalidade

 Este é o Desterrado, bela escultura de Soares dos Reis (1847-1889), realizada em  Mármore de Carrara, Itália em 1872.
O realismo que encarna, pode e deve ser observado enquanto alegoria do Ser português. É um cidadão português, de espírito ou em fase "estrangeirada" que lhe dá as formas perfeitas e a coloca em pose amargurada.
Não me parece que esteja a meditar no que quer que seja, mas sim a lamentar a sua condição como indivíduo (desterrado num país estrangeiro) e a particular situação da sua terra, Portugal. 
O nome adequa-se à interpretação: o português tem todas as qualidades que admira nos outros povos, mas as condições políticas em que Portugal tem vivido ao longo dos tempos são marcadas pela mediocridade que impede cada um de afirmar a sua individualidade e a sua pertença ao mesmo povo. 
Os políticos portugueses têm transformado a nossa Nação num país pequeno (reduzindo-o ao tamanho das suas fronteiras), que vive de importações e da exaltação dos produtos estrangeiros, que não permite aos seus cidadãos condições de afirmação, que despreza o que cria e vangloria o que lhe chega de fora.
Portugal desde há muito que vendeu a sua alma e paradoxalmente é preciso ir lá para fora para perceber a grandeza da mesma.  
O olhar triste e desanimado, que penetra o escuro da terra desta bela criatura é o fado do nosso povo que se autoflagela e se exclui por vontade própria de assumir o lugar que lhe pertence junto aos outros povos: lugar de igualdade e não de submissão, lugar de farol e não de densa bruma. 
 
A Manso
   

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Mar


 DAS ÁGUAS ENTRETANTO PERCORRIDAS

Sofia Melo Breyner esceveu no poema Inscrição

“Quando eu morrer voltarei para buscar

Os instantes que não vivi junto do mar”

Este mar imenso que os portugueses ousaram desafiar. Sabiam de onde partiam sem saber onde iriam chegar mas nem os tormentos da alma, nem as dores do corpo os retiveram nos areais onde, nem as musas encantavam nem as almas repousavam.

O mar garantia a réstea de esperança que, mesmo nas situações mais difíceis, nunca abandona os indivíduos. E se há esperança, o melhor é não esperar. E se há sonhos, o melhor é sonhar. É verdade que quem nada tem, nada pode perder, mas também é verdade que pela inacção nada acrescentará àquilo que já encontrou. O mar é universal, antes de ser português, mesmo que Fernando Pessoa entenda que o seu sal são as lágrimas do nosso povo.

Não é certo que a partida para o mar se deva apenas a questões de ordem económica e geográfica. Não é certo que o mar não sussurre ao ouvido de cada um que do interior ao litoral aprende desde pequenino a “escutá-lo” através de simples búzios que são transportados da costa para os mais recônditos lugares do interior e aí, na pertença de tantos que nunca o viram nem imaginam a sua vastidão, são com frequência encostados ao ouvido para escutar, diz-se, a agitação ou a calmaria que em cada momento se vier a encontrar.

O mar fala a língua de todos mas une a da lusofonia. De um extremo ao outro do mundo, em todas as rotas e continentes, o mar fala a nossa língua porque a aprendeu a pronunciar há muitos, muitos anos. Esteve sempre habituado a escutar os mais variados dialetos. De costa a costa ouvia-se e dizia-se, mas confinava-se tudo a um pequeno espaço. Com os portugueses o mar abriu-se ao mundo para abraçar toda a terra. Desde há muito que a terra estava lá e era rodeada pelo mar, mas foi o pequeno povo luso que quis trazer ao conhecimento aquilo que ainda não se conhecia.      

O mar foi durante séculos a estrada entre povos e culturas, em tempos que, periclitantemente os barcos cortavam as suas ondas e desafiavam os seus intentos.

A.      Manso

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Da trágica situação de Portugal

Quase quarenta anos de democracia... três situações económico-financeiras muito graves - vulgo bancarrota.
Um povo a clamar por um Estado que o salve... um Estado governado por um bando de incompetentes que desde pequeninos vivem à custa dos partidos que os formou com as fartas subvenções estatais a colar cartazes e pouco mais...
um grupo extenso de ex-governates com reformas e mais reformas - mesmo que ainda nem o 50 aniversário tenham festejado... tudo mordomias que os portugueses normais, calam e pagam. 
uns querem a troika de cá para fora para não pagar aquilo que já gastaram e viver mais uns anos com os despojos de supostas nacionalizações.
a história pouco tem ensinado a uns e outros. a esquerda não é solução porque as tentativas colectivistas de organização das sociedades produem miséria e pouco mais. A natureza dos indivíduos é o egoismo e a luta pela supremacia... infelizmente é isso que levou ao progresso... mesmo que não se goste... 
Para que Portugal volte a ser um país digno e sério é preciso que se organize por dentro. para tal os portugueses deviam juntar-se não para (re)partir, mas sim para unir. Em primeiro lugar, fazer da política uma missão e um serviço, onde a remuneração seja igual á que se obtém no serviço de origem (engenheiro, advogado, porteiro...). Em segundo lugar, fazer-se uma reforma administrativa com 20 ou 30 municípios - com governos escolhidos por eleição direta, mas adminsitrados também sem qualquer remuneração para lá daquela que têm nas suas vidas normais. Um parlamento com 100 ou menos deputados... uma justiça célere... uma administração competente...
Imediatamente deveria ser feita uma lei que proibisse todos os políticos que tiveram responsabilidades em Portugal nos últimos trinta anos de se pronunciarem sobre o caos político. É inconcebível que Capuchos, Marques Mendes, Pachecos, Santos ou Pereiras da Silva, Costas, Alegres, Manuela F leite... e todos os outros... todos responsáveis desde os bancos da escola primária pelo descalabro de Portugal, todos com a vida orientada com o dinheiro dos contribuintes... digam todos os dias, em voz alta e sem impunidade, que Portugal está no buraco... sem referirem que esse buraco foi cavado por todos eles... é triste como o povo tem memória fraca... veja-se como aqueles que há menos de dois anos chamaram a troika e entregaram portugal á administração estrangeira, estão já a pedir ao povo que os eleja o mais rapidamente possível, pois serão os salvadores da pátria portuguesa, como aliás se viu até hoje... e o povo, mais uma vez, prepara-se para ir na onda...
talvez a luta de todos os movimentos se devesse concentrar mais em por esta gente no lugar do que em lutar contra a troika. a troika, vai e vem pois a verdade é que portugal não tem dinheiro nem forma de o gerar para se manter solvente. enquanto esta gente vive com o dinheiro de um trabalho nocivo das suas governações é o povo que vê os seus impostos quase diariamente escandalosamente aumentados.    
é o povo, pá, que mantém a vida faustosa dos politicos cuja actividade é "saquear" aquilo que vão ganhando. Basicamente o Estado português, ao que o povo diz respeito, dá com uma mão e tira com as duas. Este é o estado da nossa democracia.
 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ainda sobre a escola

 Sobre a pedagogia portuguesa em tempos idos Guerra Junqueiro (1850-1923), poeta e pensador da "alma portuguesa" deixou-nos, em forma poética, um quadro que não sendo apenas uma imagem do que se passava em Portugal já na segunda metade do século XIX, é sobretudo um recorte do que os portugueses entendiam da missão da escola: sítio de instruir mais do que de educar; sítio de destruir mais do que de formar; sítio de conservar mais do que de transformar; sítio de penar mais do que brincar... quase sempre é vista a sua frequência como um "período negro" na vida de cada um. Eis então as palavras do poeta:
 
A Escola Portuguesa
“Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.
Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.
Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las,
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrelas.
Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.
Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!
E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!
Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!
Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é – Ontem
E o do discipulo – Amanhã!
Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o passado quem ensina
O b a ba ao futuro!
Entregar a um tarimbeiro
Um coração infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!
Barbaridade irrisória,
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos d’um anacronismo!
A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada!
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvorada!
Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.
Da pequenina semente,
Que a escola régia destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.
Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoireiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.
Deixai ver o Sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço.
Esta escola é um atentado,
Um roubo feito ao progresso.
Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paul;
Rasgai no muro ignorância
Trezentas portas de azul!
 
O professor asinino,
Segundo entre nós ele é,
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.
Empunhando as rijas férulas
Vós esmagais e partis
As crianças – essas pérolas
Na escola – esse almofariz.
Isto escolas!... que indecência!
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d’anjos, mais nada.”
 
Guerra Junqueiro
 
 
 
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Do tempo e da passagem

   O tempo que passa com a comemoração de um novo ano, seja isso o que for, serve apenas para nos confrontar com os limites da existência e a degradação psicobiológica que enforma todo o percurso da nossa vida tão luminosa e assombrada quanto os contrastes do fogo de artifício que, em simultâneo, deslumbra o olhar e faz estalar os ouvidos, inexuravelmente terminando em esfumada escuridão. Se para os deuses o tempo é um eterno presente, para os homens é apenas um inclinar sucessivo até ao ocaso final. Um tempo que dura e se gasta no perpétuo movimento dos ponteiros que não param.