segunda-feira, 23 de junho de 2014

Real e surreal



Alquié em Philosophie du surréalisme escreve que "O surrealismo afirma a unidade do espírito e do desejo, recusa dissociar o homem, opõe ao mundo uma revolta imanente da totalidade do ser. A razão contrariando o desejo, desqualifica essa unidade, confundindo-a com os objectos com que é preciso lutar". Um sistema totalitário filosoficamente falando (e não politicamente) procura a unidade pela agregação das parcelas, reconhecendo igual dignidade e valor à parte racional do ser humano e à sua parte emotiva, encarando-as como as duas faces da mesma moeda. Uma e outra são indissociáveis e só a habilidade truculenta da razão as confunde e submete ao poder totalitário da organização lógica e descrição racional daquilo com que nos confrontamos.
Afinal toda a matéria do conhecimento nos chega pelos sentidos e é com eles que pomos a razão a trabalhar. A matéria dos sonhos é a realidade percebida sem a tutela da racionalidade. é o ser em presença de si mesmo

segunda-feira, 16 de junho de 2014



 Eis o último apontamento dos Pensamentos filosóficos de Diderot (1713-1784) - trad. portuguesa, ed. 70, 2013, pp. 65-66


"Um homem fora traído pelos seus filhos, pela sua mulher e pelos seus amigos; sócios infiéis tinham-no despojado da sua fortuna, fazendo-o mergulhar na miséria. Invadido de um ócio e de um desprezo profundo pela espécie humana, o homem deixou a sociedade e refugiou-se na solidão de uma caverna. aí, premindo os olhos com os punhos, e meditando uma vingança proporcionada ao seu ressentimento, dizia: 'Os perversos! Que farei para os punir das suas injustiças, e os tornar tão desgraçados como merecem? Ah, se fosse possível imaginar... meter-lhes na cabeça uma grande quimera a que dessem mais importância do que à sua vida, e sobre a qual não pudessem nunca entender-se!...'. Ei-lo que então irrompe da caverna a gritar: 'Deus! Deus!..." Ecos sem conto repetem à sua volta: 'Deus! Deus!' Este nome temível transmite-se de um pólo a outro e é, por toda a parte, escutado com assombro. De começo os homens prosternaram-se, a seguir levantam-se, interrogam-se, disputam, tornam-se azedos, anatematizam-se, odeiam-se, degolam-se uns aos outros, e cumpre-se o voto fatal do misantropo. Pois tal foi no tempo passado, e será no tempo por vir, a história de um ser tão importante como incompreensível".

Ora, descontando o tempo e a ambiência social de então, este é um bom exemplo do que "significa" Deus. Para lá do temor e tremor, de uma quimera para entreter a desgraça, o que é certo é que a ideia de Deus, loucura ou não, impõe-se a todos os homens e em todos os lugares. De uma maneira mais simples e sem tanta preocupação com as religiões instituídas e que abrigam cada um a pensar o que é Deus, apenas quero sublinhar que está interrogação que acompanha a história da humanidade, resulta só e apenas de cada indivíduo se encontrar limitado e ignorante no conhecimento de si e do seu lugar no mundo. O problema de Deus é a afirmação da certeza da finitude e o reconhecimento do imprevisível no quotidiano em que cada um vier a habitar.    

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Saber e Conhecer






Em plena era informação massificada o físico teórico americano e  colaborador de Albert Einstein John Wheeler, falecido em 2008 escreveu que "Vivemos numa ilha rodeados por um mar de ignorância. À medida que cresce a ilha do nosso conhecimento, também cresce a costa da nossa ignorância". Ora nada mais banal. Afinal este reconhecido físico, habituado ao conhecimento conceptual e demonstrativo, diz o mesmo que Sócrates, Aristóteles, os livros sapienciais do antigo e novo testamento, bem como todos os outros de religiões diversas. Diz o mesmo que Rousseau ou os poetas como Yates e Fernando Pessoa. A informação não é conhecimento e este não se revela de forma maciça. Nunca se revelou. É preciso uma predisposição para o adquirir e esse esforço, continua hoje, no tempo da saturação da informação, como na civilização oral de milénios atrás, a captar o interesse de poucos. Mesmo não o sabendo, a sabedoria continua, calma e tranquilamente "sentada à soleira da nossa porta" e nós continuamos a passar-lhe ao lado, descurando a simplicidade que a reveste e emaranhando-nos em fórmulas e preceitos que nos distraem do que mais importa.