sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ainda sobre a escola

 Sobre a pedagogia portuguesa em tempos idos Guerra Junqueiro (1850-1923), poeta e pensador da "alma portuguesa" deixou-nos, em forma poética, um quadro que não sendo apenas uma imagem do que se passava em Portugal já na segunda metade do século XIX, é sobretudo um recorte do que os portugueses entendiam da missão da escola: sítio de instruir mais do que de educar; sítio de destruir mais do que de formar; sítio de conservar mais do que de transformar; sítio de penar mais do que brincar... quase sempre é vista a sua frequência como um "período negro" na vida de cada um. Eis então as palavras do poeta:
 
A Escola Portuguesa
“Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.
Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.
Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las,
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrelas.
Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.
Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!
E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!
Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!
Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é – Ontem
E o do discipulo – Amanhã!
Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o passado quem ensina
O b a ba ao futuro!
Entregar a um tarimbeiro
Um coração infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!
Barbaridade irrisória,
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos d’um anacronismo!
A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada!
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvorada!
Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.
Da pequenina semente,
Que a escola régia destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.
Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoireiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.
Deixai ver o Sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço.
Esta escola é um atentado,
Um roubo feito ao progresso.
Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paul;
Rasgai no muro ignorância
Trezentas portas de azul!
 
O professor asinino,
Segundo entre nós ele é,
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.
Empunhando as rijas férulas
Vós esmagais e partis
As crianças – essas pérolas
Na escola – esse almofariz.
Isto escolas!... que indecência!
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d’anjos, mais nada.”
 
Guerra Junqueiro
 
 
 
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Do tempo e da passagem

   O tempo que passa com a comemoração de um novo ano, seja isso o que for, serve apenas para nos confrontar com os limites da existência e a degradação psicobiológica que enforma todo o percurso da nossa vida tão luminosa e assombrada quanto os contrastes do fogo de artifício que, em simultâneo, deslumbra o olhar e faz estalar os ouvidos, inexuravelmente terminando em esfumada escuridão. Se para os deuses o tempo é um eterno presente, para os homens é apenas um inclinar sucessivo até ao ocaso final. Um tempo que dura e se gasta no perpétuo movimento dos ponteiros que não param.