sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sobre Fédon, um belo diálogo de Platão

A IMORTALIDADE DA ALMA NO FÉDON DE PLATÃO - Parte 84b – 89c. Em O Rodrigão, Jornal da Escola secundária Rodrigues de Freitas, Porto, Dezembro 1995, p. 12

Os argumentos usados na discussão da Imortalidade da Alma no Fédon de Platão  são de origem pitagórica: excepto a Teoria da Alma-Harmonia, argumento este de consequências materialistas.

1. ANTECEDENTES:

— Parte Introdutória:

• Morte, separação da Alma e do corpo (Fédon, 64c).
• Morte, trampolim para a Sabedoria (Fédon, 65b).
• Os objectos invisíveis e absolutos: Justo, Belo e Bom (Fédon, 65d).
• Virtude, vem acompanhada de Razão (Fédon, 69a ss).

2. A DISCUSSÃO SOBRE A IMORTALIDADE DA ALMA. ARGUMENTOS UTILIZADOS:

. ARGUMENTO DOS CONTRÁRIOS – 70c-72e.
• TEORIA DA REMINISCÊNCIA- 72e – 77a - Introduz e com ela se liga a:
• TEORIA DA ALMA -HARMONIA (85e – 86d; 92a – 94e).

3. CONSEQUENTES

A Teoria da Alma-Harmonia vai ser rejeitada.
Sócrates responderá aos argumentos que Símias e Cebes lhe colocaram: Símias irá ser esclarecido que a harmonia é posterior à lira, tal como a Alma é anterior ao corpo. Ela não é só o conjunto de funções do organismo, mas opõe-se também às suas paixões. Se a Alma, que é Harmonia, o vício, que é ausência de harmonia não pode existir.
Cebes, que sugeriu a Teoria das Ideias irá ouvir em resposta aos seus argumentos, a formulação dessa mesma Teoria. É comum que o lugar das ideias de frio, ideia da dualidade e seu par, excluem o seu contrário, o ímpar. Também a alma que traz a vida ao corpo, factor harmonizante, tem por função essencial manter vivo o que o corpo possui (Fédon, 87d,e – 105e), está necessariamente ligada à ideia de vida e como ela exclui a ideia de morte, tal como o calor exclui o frio, a dualidade exclui o ímpar. Assim, uma alma morta é uma contradição dos termos (Fédon, 106b).

A Alma tem a Imortalidade da sua participação na ideia mortal do corpo.

ARGUMENTOS APRESENTADOS

FACE À MORTE, SÓCRATES FALA DA IMORTALIDADE — Sócrates, depois de apontar as vantagens da morte física para a purificação da Alma e a tranquilidade com que se deve encarar a morte, depara ter sido pouco convincente para com Símias e Cebes.
Sócrates (Fédon, 85b) está convicto que a Alma após a morte se irá reunir ao que é conforme à sua natureza, liberta dos males da espécie humana... Não há perigo de alguma vez ela temer que ao separar-se do corpo, se desvaneça, aniquilada pelos ventos e se vá para não mais deixar rastos de existência.
O dramatismo do momento inibe e retrai os contestatários que pensam Sócrares estar pouco convicto do que diz, sendo levado a tais conclusões pelo momento especial que se aguarda (a sua morte física).

— A VIDA EXEMPlAR E OS DONS DIVINATÓRIOS

— O COMUM E A EXCEPÇÃO OU A EXCEPÇÃO COMO COMUM
O que é comum não é as aves cantarem quando pressentem a morte mas sim os Cisnes (aves de Apolo) cantarem as suas mais belas canções que mais não fazem senão antever as maravilhas que os esperam. Não é com o sofrimento que alguém se expressa de forma sublime mas sim na posse ou pré-posse da felicidade suprerna.
Na Apologia (40c), Sócrates referiu o seu dom divinatório: Efectivamente a minha voz interior habitual não teria deixado de se opor, se eu estivesse para praticar algo que não fosse bom.
Fédon, 85b, Os cisnes como aves que são de Apoio possuem o dom de adivinhar.. Também eu me julgo um companheiro da servidão dos cisnes... Consagrado como eles ao mesmo deus possuidor de dons divinatórios, de meu amo recebidos, não inferiores aos deles, e não mais desgostoso do que eles por abandonar a vida...

— A ALMA COMO HARMONIA

— OS ARGUMENTOS MATERIALISTAS DE SÍMIAS E CEBES
Ambos aceitam a Pré-existência da Alma, mas vão contestar a sua Imortalidade.

A) Harmonia como suporte corporal que se relaciona com os corpos que a compõem, em igual medida - ela é a medida justa.

B) Alma como resultante de uma mistura de elementos. Símias serve-se das teorias dos físicos, que consideravam a alma como resultado de tensões corporais.
Fédon, 86b, Corpo, tensão e coesão de elementos — quente e frio, seco e húmido, etc. — Alma, mistura e harmonia desses mesmos elementos Esta teoria parece radicar na concepção abstracta de que os corpos são constituídos de opostos (Anaximandro; Quente/Frio; Húmido/Seco; Empédocles: Fogo/Ar; Agua/Terra).
Fédon, 85e – 86a, Harmonia entre lira e respectivas cordas. Harmonia elemento invisível, incorpóreo, algo de divino e sumamente belo, que faz na lira harmonizada. Lira em si e cordas que é o elemento material, conpóreo, compósito e terreno, aparentado ao que é de natureza morta.

C) Alma intimamente ligada ao corpo. Com a aniquilação do corpo, põe-se em causa a Imortalidade da Alma.
Quem pelos sentidos vê a matéria degradar-se progressivamente e por eles se guia, não admite que, o que anima essa matéria tenha o privilégio da Imortalidade. Toda a matéria perece um dia, por isso, a Alma que é harmonia, apenas durará mais tempo que o corpo, mas não poderá ser Imortal. Fédon, 86c, com a progressiva extinção do corpo, também a Alma que o animava, apesar de sumamnente divina, não ficará incólume à destruição se bem que dure mais tempo que o corpo.


— CEBES: ENCONTROS E DESENCONTROS COM A TEORIA DE SÍMIAS

A) A Alma pré-existe ao corpo, mas Símias dá maior duração à Alma que ao Corpo. Fédon, 87a, agora que subsista algures após a nossa morte, tenho opinião diversa e não concordo com Símios ao dar-lhe maior perdurabilidade em relação ao corpo.

B) A metáfora do tecelão e do manto, Fédon, 87b ss, põe em evidência que se o corpo não é indestrutível, a Alma não é inteiramente eterna. Qual das duas espécies é mais duradoira, a do homem ou a do manto de que se serve e usa? A Alma é mais duradoira e o corpo mais frágil e menos durável. Cada Alma gasta um mor de corpos... Não impede de que quando a Alma perece esse derradeiro corpo que a Alma teceu e enverga seja por força o único a subsistir após o seu aniquilamento, e uma vez aniquilada a Alma (tecelão), será a vez de o corpo (manto), revelar a sua infinita fraqueza, em breve apod recendo para desaparecer.
Nada impede por isso que a Alma possa perecer antes do último corpo que animava e em consequência, este acabar sem Alma.
A TEORIA DA REMINISCÊNCIA está garantida e definida e se esta é aceite, a PRÉ-EXISTÊNCIA não pode ser eliminada. Contudo não se deve aceitar que a nossa Alma passe incólume a diversas existências e não acabe destruída de todo numa das tais mortes (Fédon,  88a).

C) A Alma desgasta-se de corpo para corpo. A preocupação com ela tem sentido na medida em que não se sabe que destino terá depois de abandonar o nosso corpo. A morte não nos pode alegrar e ser tida como um bem até ao momento em que se consiga demonstrar completa e inequivocamente que a Alma é imperecível e Imortal.
Fédon, 88b, A confiança na morte não tem razão de ser a menos que se consiga demonstrar que a Alma é a todos os títulos Imortal e imperecível. De outra forma o que está prestes a morrer não pode deixar de inquietar-se pelo destino da sua Alma, pois ao separar-se do corpo não é desta vez que fica em defenitivo aniquilada.

— PARA CONTINUAR A DISCUSSÃO
Cebes, deixa espaço aberto à apresentação da Teoria das Formas (ou Ideias) e atribui à Alma poderes superiores com pendor determinante nas ponderações a tomar pelo indivíduo. A Alma assemelha-se ao divino, nutre e alenta os corpos, ao mesmo tempo que os antecede e mantém sempre a possibilidade de lhes sobreviver.


ARTUR MÀNSO

sábado, 22 de outubro de 2011

Outono

 O céu ainda não se cobriu de nuvens, os montes ainda não estão manchados de branco, as manhãs ainda não estão muito frias... mas o outono está aí. Os campos estão tristes, cobertos de uma mancha acastanhada, as árvores mostram a totalidade da sua extensâo á medida que as folhas, estaladiças as deixam para apodrecer em qualquer lugar.
O outono é estação monocular que prepara o inverno e nos deixa a quase todos melancólicos... literalmente á espera que o tempo passe!    

domingo, 16 de outubro de 2011

Sobre os indignados

Os indignados ou os jovens precários têm ganho força um pouco por todo o lado. São de facto vítimas - tal como todas as sociedades ocidentais - dos desmandos das democracias que querendo dar tudo a todos, acabam por privar todos de quase tudo...
Os políticos vão e vêm, acrescentam problemas aos problemas e "chutam" para as gerações futuras o preço real da irresponsabilidade dos seus actos.
Apesar de tudo,  o mundo ocidental é muito melhor hoje do que na revolução francesa, na revolução russa ou mesmo no maio de 68... a começar pelo direito a mostrar clectivamente a indignação...
O mundo mudou para um novo paradigma e o trabalho já não pode ser visto como um emprego para toda a vida, onde os poucos que tiverem acesso a ele passam a ter direitos e os outros a ser explorados...
É preciso uma nova atitude. O trabalho executado tem de ser pago a todos da mesma forma e todos enquanto trabalharem têm que ter os mesmos direitos. O trabalho não pode ser temporário para uns e a tempo inteiro para outros, sendo que aqueles que o têm a tempo inteiro exploram os seus semelhantes ao serem remunerados de forma supletiva pelo mesmo trabalho realizado.
Não há volta a dar. Os tempo de hoje não são os mesmos da revolução industrial ou da produção em série do pós guerra. Os ocidentais prescindiram do trabalho para os seus, pois ao tornarem o comércio livre já sabiam o que iria acontecer e agora os seus não querem ser precários e os decisores não sabem o que fazer.
Provavelmente serão forçados, mais tarde ou mais cedo, a regressarem ao proteccionismo... e nesse momento milhões de outros indivídus que apesar de tudo têm beneficiado da "crise ocidental", hão-de regressar às condições miseráveis de vida que ainda conhecem de perto.
Veremos se os próximos tempos nos trazem estadistas de visão alargada que consigam conciliar os interesses em causa e tornar a uma ideia de humanidade onde todos estejam dispostos a partilhar... doutra maneira, a estabilidade dos povos poderá sofrer um sério revés, quem sabe mesmo um conflito em alta escala.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sobre a morte e sobre a vida

 

Estive a ler o livrito de Filomena Mónica A morte. O tema não me é desconhecido, já há muito que o acompanho. a temática essa sim é mais que actual e prende-se com a necessidade ou não de os governos legislarem sobre o direito individual ante a morte. Acompanho há bastante tempo a polémica, pois tenho tido a oportunidade de ler e trocar ideias sobre o assunto com a Laura Santos, porventura aquela pessoa que mais profundamente tem vindo a abordar o problema.
Sempre me chocou e continua a chocar-me qualquer legislação sobre a morte ou qualquer outro direito básico do ser humano - como por exemplo o aborto. reconheço que a tarefa não é fácil, mas para mim é muito simples. Filomena Mónica, surpreendentemente chama ao debate toda a gente, desde o extremo daqueles que defendem o Estado nada ter que ver com estas decisões, à Igreja católica que como aponta, defende ao limite a vida, nada admitindo que a possa reduzir ou por em causa para além das condições naturais - não compreendendo eu como pode a Igreja ser tão apegada a esta vida se a sua mensagem é a apologia de algo cuja concretização é dificultada pela mesma, como pode considerar as máquinas meios naturais de suporte de vida, bem como a alimentação naso-gástrica, etc...
Sou crente, acompanhando Rousseau, "mais cristão que católico" e é enquanto tal que defendo para estes asssuntos coisas simples, a saber:
a vida pertence a cada um e cada qual tem o direito de dispor dela como lhe aprover, desde que as suas decisões não afectem de nenhuma maneira a vida dos outros - esta nenhuma maneira não inclui obviamente, a dor psicológica que estas decisões causam nos mais próximos
o Estado deve regular a vida e satisfazer os anseios dos cidadãos: se estão ligados á máquina e desejam ser desligados o Estado deve satisfazer os seus desejos sem qualquer constrangimento, bem como atenuar a dor ou diminiur o sofrimento a pedido do paciente ou daqueles que lhe forem mais próximos
os médicos são servidores dos indivíduos e como tal devem em consciência ter toda a liberdade para agir em conformidade com a vontade do doente e seus mais próximos. Se perceberem que a obstinação dos doentes ou seus próximos por uma vida que já não é possível, têm o dever de a "terminar" ou indicar qual o botão a desligar áqueles que o pretenderem fazer
o estado nada tem que ver com a decisão de Ramon Sampedro, dos familiares de Eluana e de todos os outros casos sobejamente conhecidos
não sei o que é que a natureza humana tem que ver com máquinas artificiais que mantêm um corpo a raspirar e a esse acto se dá o nome de vida

A natureza decide o que deve ou não prevalecer. se efectivamente houver vida ela há-de impor-se com o desligar da máquina ou a redução do sofrimento.
A igreja católica e outras devem fazer perceber aquilo que ensinam: viver de forma natural é respirar sem o auxílio de instrumentos, estes só são adequados quando resolvem uma situação transitória, ou seja, ajudam a restabelecer o fruir normal da vida... doutra forma não se justificam independentemente da opinião de uns e outros.

os interessados na morte que para além deste espectáculo público/privado, legal/ilegal queiram ter uma ideia mais clara sobre as  suas apropriações mais profundas devem ler o excelente ensaio de Jankélévitch, La mort e talvez aprendam a respeitar mais a vontade  individual e, enquadrando a morte num processo natural da vida compreenndam, como ensinam as religiões e algumas filosofias que viver é uma peparação para a morte e que esta admite o sofrimento, mas quando este não é desejado nem faz qualquer sentido, não deve ser prolongado... mesmo as pessoas sãs têm todo o direito de escolher morrer, mas não têm o direito de escolher pelos outros arrastando-os em decisões com as quais não concordam.