sábado, 25 de outubro de 2014

Impressões

 Acabei de ler este belo livro de Tolentino de Mendonça que poderia também ser intitulado de Teologia do Corpo. Começo pela impressão da capa: sereno, um humano parece caminhar envolto nos quatro elementos; ar, terra, água e o fogo que o sol simboliza. O combate entre a sombra das nuvens que o sol rompe de quando em quando, é a principal marca de toda a existência. Apesar de tudo o indivíduo caminha sereno na assunção de que por si só não poderá alterar o ritmo cósmico.
No texto aparece uma teologia do corpo bem fundamentada nas imensas citações bíblicas em que se suporta. É necessário reabilitar o prazer dos sentidos e considera-lo, lado a lado, com os momentos de interioridade necessários para descobrirmos Deus em nós. 
O novo anúncio é de inclusão, do espírito e do corpo e não de submissão e retracção do segundo em relação ao primeiro. A novidade, contudo, é que o novo anúncio afinal coincide com o essencial da mensagem do Evangelho. E aqueles que os leem parece não o ter entendido, mesmo que já o santo e místico Bernardo de Claraval (1090-1153) tenha relembrado, há quase mil anos, que por o amor ser carnal, para se perceber em toda a sua dimensão, é necessário que comece na carne. Agora, Tolentino, relembra o mesmo e acompanha essa minoria que prega a inclusão do espírito e do corpo, colocando-os lado a lado na realização do tempo anunciado.      

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

mais um poema de António Franco Alexandre




O Teu Amor, Bem Sei

o teu amor, bem sei, é uma palavra musical,
espalha-se por todos nós com a mesma ignorância,
o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos;
ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais,
surpreende o vigor, a plenitude
das coxas masculinas, habituadas ao cansaço,
separamo-nos, à procura de sinais mais fixos,
e o circuito das chamas recomeça.

é um país subtil, o olho franco das mulheres,
há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento,
os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro,
morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas,
viajar de navio de buenos aires a montevideu.
esta é a viagem que não faremos nunca, soltos
na minuciosa tarde dos lábios,
ágil pobreza.

permanentemente floresce o horizonte em colinas,
os animais olham por dentro, cheios de vazio,
como um ladrão de pouca perícia a luz
desfaz devagarmente os corpos.
ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida,
para que seja
alto e altivo o coração da coisas? até quando aguardarei,
no harmonioso beliche, que a tua visão cesse?

António Franco Alexandre, in 'As Moradas 1 & 2'