segunda-feira, 16 de junho de 2014



 Eis o último apontamento dos Pensamentos filosóficos de Diderot (1713-1784) - trad. portuguesa, ed. 70, 2013, pp. 65-66


"Um homem fora traído pelos seus filhos, pela sua mulher e pelos seus amigos; sócios infiéis tinham-no despojado da sua fortuna, fazendo-o mergulhar na miséria. Invadido de um ócio e de um desprezo profundo pela espécie humana, o homem deixou a sociedade e refugiou-se na solidão de uma caverna. aí, premindo os olhos com os punhos, e meditando uma vingança proporcionada ao seu ressentimento, dizia: 'Os perversos! Que farei para os punir das suas injustiças, e os tornar tão desgraçados como merecem? Ah, se fosse possível imaginar... meter-lhes na cabeça uma grande quimera a que dessem mais importância do que à sua vida, e sobre a qual não pudessem nunca entender-se!...'. Ei-lo que então irrompe da caverna a gritar: 'Deus! Deus!..." Ecos sem conto repetem à sua volta: 'Deus! Deus!' Este nome temível transmite-se de um pólo a outro e é, por toda a parte, escutado com assombro. De começo os homens prosternaram-se, a seguir levantam-se, interrogam-se, disputam, tornam-se azedos, anatematizam-se, odeiam-se, degolam-se uns aos outros, e cumpre-se o voto fatal do misantropo. Pois tal foi no tempo passado, e será no tempo por vir, a história de um ser tão importante como incompreensível".

Ora, descontando o tempo e a ambiência social de então, este é um bom exemplo do que "significa" Deus. Para lá do temor e tremor, de uma quimera para entreter a desgraça, o que é certo é que a ideia de Deus, loucura ou não, impõe-se a todos os homens e em todos os lugares. De uma maneira mais simples e sem tanta preocupação com as religiões instituídas e que abrigam cada um a pensar o que é Deus, apenas quero sublinhar que está interrogação que acompanha a história da humanidade, resulta só e apenas de cada indivíduo se encontrar limitado e ignorante no conhecimento de si e do seu lugar no mundo. O problema de Deus é a afirmação da certeza da finitude e o reconhecimento do imprevisível no quotidiano em que cada um vier a habitar.    

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