sábado, 29 de janeiro de 2022

Pensar em Deus mesmo não crendo em Deua

Para os crentes. não crentes e agnósticos. Um poema adequado a todos

 Alberto Caeiro. Poesia completa

Há metafísica bastante em não pensar em nada. 

O que penso eu do mundo? 

Sei lá o que penso do mundo! 

Se eu adoecesse pensaria nisso 

Que ideia tenho eu das cousas? 

Que opinião tenho sobre Deus e a alma 

E sobre a criação do mundo? 

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos 

E não pensar. É correr as cortinas 

Da minha janela (mas ela não tem cortinas). 

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! 

O único mistério é haver quem pense no mistério. 

Quem está ao sol e fecha os olhos, 

Começa a não saber o que é o sol 

E a pensar muitas cousas cheias de calor. 

Mas abre os olhos e vê o sol, 

E já não pode pensar em nada, 

Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos 

De todos os filósofos e de todos os poetas. 

A luz do sol não sabe o que faz 

E por isso não erra e é comum e boa. 

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? 

A de serem verdes e copadas e de terem ramos 

E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, 

A nós, que não sabemos dar por elas. 

Mas que melhor metafísica que a delas, 

Que é a de não saber para que vivem 

Nem saber que o não sabem? 

"Constituição íntima das cousas"... 

"Sentido íntimo do universo"... 

tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. 

É incrível que se possa pensar em cousas dessas. 

É como pensar em razões e fins 

Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores 

Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. 

Pensar no sentido íntimo das cousas 

É acrescentado, é como pensar na saúde 

Ou levar um copo à água das fontes. 

O único sentido íntimo das cousas 

É elas não terem sentido íntimo nenhum. 

Não acredito em Deus porque nunca o vi. 

Se ele quisesse que eu acreditasse nele, 

Sem dúvida que viria falar comigo 

E entraria pela minha porta dentro 

Dizendo-me, Aqui estou! 

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos 

De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, 

Não compreende quem fala delas 

Com o modo de falar que reparar para elas ensina.) 

Mas se Deus é as flores e as árvores 

E os montes e sol e o luar, 

Então acredito nele, 

Então acredito nele a toda a hora, 

E a minha vida é toda uma oração e uma missa, 

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. 

Mas se Deus é as árvores e as flores 

E os montes e o luar e o sol, 

Para que lhe chamo eu Deus? 

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; 

Porque, se ele se fez, para eu o ver, 

Sol e luar e flores e árvores e montes, 

Se ele me aparece como sendo árvores e montes 

E luar e sol e flores, 

É que ele quer que eu o conheça 

Como árvores e montes e flores e luar e sol. 

E por isso eu obedeço-lhe, 

(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?), 

Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, 

Como quem abre os olhos e vê, 

E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, 

E amo-o sem pensar nele, 

E penso-o vendo e ouvindo, 

E ando com ele a toda a hora.



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