terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sobre a morte e sobre a vida

 

Estive a ler o livrito de Filomena Mónica A morte. O tema não me é desconhecido, já há muito que o acompanho. a temática essa sim é mais que actual e prende-se com a necessidade ou não de os governos legislarem sobre o direito individual ante a morte. Acompanho há bastante tempo a polémica, pois tenho tido a oportunidade de ler e trocar ideias sobre o assunto com a Laura Santos, porventura aquela pessoa que mais profundamente tem vindo a abordar o problema.
Sempre me chocou e continua a chocar-me qualquer legislação sobre a morte ou qualquer outro direito básico do ser humano - como por exemplo o aborto. reconheço que a tarefa não é fácil, mas para mim é muito simples. Filomena Mónica, surpreendentemente chama ao debate toda a gente, desde o extremo daqueles que defendem o Estado nada ter que ver com estas decisões, à Igreja católica que como aponta, defende ao limite a vida, nada admitindo que a possa reduzir ou por em causa para além das condições naturais - não compreendendo eu como pode a Igreja ser tão apegada a esta vida se a sua mensagem é a apologia de algo cuja concretização é dificultada pela mesma, como pode considerar as máquinas meios naturais de suporte de vida, bem como a alimentação naso-gástrica, etc...
Sou crente, acompanhando Rousseau, "mais cristão que católico" e é enquanto tal que defendo para estes asssuntos coisas simples, a saber:
a vida pertence a cada um e cada qual tem o direito de dispor dela como lhe aprover, desde que as suas decisões não afectem de nenhuma maneira a vida dos outros - esta nenhuma maneira não inclui obviamente, a dor psicológica que estas decisões causam nos mais próximos
o Estado deve regular a vida e satisfazer os anseios dos cidadãos: se estão ligados á máquina e desejam ser desligados o Estado deve satisfazer os seus desejos sem qualquer constrangimento, bem como atenuar a dor ou diminiur o sofrimento a pedido do paciente ou daqueles que lhe forem mais próximos
os médicos são servidores dos indivíduos e como tal devem em consciência ter toda a liberdade para agir em conformidade com a vontade do doente e seus mais próximos. Se perceberem que a obstinação dos doentes ou seus próximos por uma vida que já não é possível, têm o dever de a "terminar" ou indicar qual o botão a desligar áqueles que o pretenderem fazer
o estado nada tem que ver com a decisão de Ramon Sampedro, dos familiares de Eluana e de todos os outros casos sobejamente conhecidos
não sei o que é que a natureza humana tem que ver com máquinas artificiais que mantêm um corpo a raspirar e a esse acto se dá o nome de vida

A natureza decide o que deve ou não prevalecer. se efectivamente houver vida ela há-de impor-se com o desligar da máquina ou a redução do sofrimento.
A igreja católica e outras devem fazer perceber aquilo que ensinam: viver de forma natural é respirar sem o auxílio de instrumentos, estes só são adequados quando resolvem uma situação transitória, ou seja, ajudam a restabelecer o fruir normal da vida... doutra forma não se justificam independentemente da opinião de uns e outros.

os interessados na morte que para além deste espectáculo público/privado, legal/ilegal queiram ter uma ideia mais clara sobre as  suas apropriações mais profundas devem ler o excelente ensaio de Jankélévitch, La mort e talvez aprendam a respeitar mais a vontade  individual e, enquadrando a morte num processo natural da vida compreenndam, como ensinam as religiões e algumas filosofias que viver é uma peparação para a morte e que esta admite o sofrimento, mas quando este não é desejado nem faz qualquer sentido, não deve ser prolongado... mesmo as pessoas sãs têm todo o direito de escolher morrer, mas não têm o direito de escolher pelos outros arrastando-os em decisões com as quais não concordam.     

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