segunda-feira, 16 de maio de 2011

Camilo Castelo Branco, quando passou pela provação do cárcere, escreveu: “Parece que os anjos, para serem felizes, se escondem dos homens”. E os homens para serem infelizes afastam-se uns dos outros. As cadeias prendem os corpos, mas não o espírito. O quotidiano tende agora a enclausurar corpos e espíritos. As novas formas de comunicação facilitam o contacto entre uns e outros, mas confinam-nos à solidão de um clic. Há uns anos atrás usava-se a expressão não vá, telefone. Agora é tempo de promover a sua contrária: não telefone, vá. Os indivíduos comunicam por mensagens sincopadas e assim evitam estar na presença uns dos outros. A afectividade dilui-se nas ondas hertzianas onde a angústia se cruza e a solidão aumenta.
Mas os anjos continuam a sorrir. Com ar alegre e corpos bem proporcionados, depositários de toda a beleza do paraíso, tocam para nós doces melodias, lêem-nos poemas ritmados, brincam à cabra-cega, descansam-nos das correrias desenfreadas… e nós que somos parecidos com eles, tendemos a invejar-lhes tanta felicidade, porque nos tornamos mais adeptos da protecção que nos prometem do que da simpatia que nos causam. Por receio de não saber viver como eles, temos medo de os provocar
Que seria de nós, seres sérios e sisudos, se tivéssemos de viver como os anjos? Como faríamos jus à educação que recebemos, assente no sacrifício e na renúncia, quando, como os anjos, vivêssemos como crianças, onde o ter se nos tornasse um enfado? Não seríamos nada e passaríamos a ser tudo, porque aquilo que somos não nos convém.
Anjos nunca seremos porque fomos nós que os inventamos para suprir as nossas carências, mas podemos ser homens-anjos se reunirmos o melhor que há em cada um em prol de todos. Sendo a nossa natureza boa, procedemos a maior parte das vezes mal. Como não somos capazes de superar as nossas limitações, inventamos seres pelos quais queremos universalizar o que de melhor temos. Compete-nos apenas viver a vida como quem brinca, de preferência sem ocupação nem preocupação. A nossa obrigação é percorrer os esconderijos onde os anjos são felizes para lhes derrubar os muros que simbolizam a barreira entre o que realmente fomos e aquilo em que nos transformamos. Os anjos estão desejosos de voltar a enformar os seus progenitores que somos todos nós.

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